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Brasil

Publicada em 14/11/17 às 14:05h - 427 visualizações
“Os evangélicos passaram a se incorporar até mesmo no tráfico”, diz sociólogo e professor da USP

Manancial FM

 (Foto: Manancial FM)

Em uma longa entrevista ao jornal Estadão, o sociólogo e professor da USP Ricardo Mariano criticou o que ele chama de radicalismo no discurso conservador das igrejas evangélicas.

Segundo Mariano, o discurso moralista está ocupando a mente da população e entrando na pauta dos debates de maneira decisiva na próxima eleição presidencial. Para ele, o evangélico conservador está cada vez mais barulhento.

Mariano, que é secretário geral da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), apresentou um estudo sobre a expansão e o ativismo político dos grupos evangélicos conservadores no país. Neste estudo, ele afirma que os evangélicos se opõem à ampliação dos direitos civis de minorias sexuais e querem impedir todo tipo de aborto, inclusive em casos de estupro, risco de morte da mãe e fetos anencéfalos.

Na entrevista, ele diz ainda que "os evangélicos passaram a se incorporar em todos os setores, no futebol e até mesmo no tráfico. Boa parte dos traficantes no RJ tem se aproximado de igrejas pentecostais."

Confira a entrevista abaixo:

Como foi a última reunião da Anpocs? Quais os temas que dominaram o encontro?

As atividades acadêmicas que abordaram fenômenos religiosos, como o ativismo político de grupos evangélicos conservadores, ocuparam importante espaço no Encontro da ANPOCS, mas não dominaram o encontro, que contou com a participação de mais de 1.200 pesquisadores. Dada a atual conjuntura sociopolítica e econômica, o objeto de destaque das reflexões e dos debates foi a democracia brasileira e seus impasses, a crise política, a polarização político-ideológica, os conflitos no interior do judiciário e entre instituições jurídicas e políticas e o cenário eleitoral de 2018.

E a corrupção?

Também foi assunto. Foram objeto de debate a crise da democracia, o combate à corrupção e os embates políticos e judiciais em torno disso, a crescente desconfiança da população nas instituições políticas, o quadro de desemprego, endividamento, de agravamento da desigualdade, da criminalidade, da precarização do trabalho e da flexibilização dos direitos trabalhistas. Tal situação deu margem até para manifestações, a partir de junho de 2013, de grupelhos propondo a volta dos militares ao poder. O próprio Bolsonaro tem insuflado tal movimento, alardeando que pretende governar com ministros militares.

O clima não está muito favorável mesmo.

O clima político atual, além de conflituoso, é de muita incerteza, de insegurança, de intensa preocupação sobre o que vai ocorrer a curto e médio prazos, seja na eleição presidencial no ano que vem, seja na condução da política econômica e da dívida pública, seja nas áreas de educação, saúde, segurança pública, previdência social, etc.

Você acha que a sociedade está guinando para a direita, que essa minoria está ganhando massa?

Temos um governo federal francamente de direita, impopular, com exíguos 3% de aprovação, apoiado e, ao mesmo tempo, refém de uma maioria parlamentar de perfil conservador, fisiológico e disposta a reverter parte da legislação de defesa do meio ambiente, dos territórios indígenas, dos direitos trabalhistas, dos direitos sociais. No extremo, a bancada ruralista propôs a redefinição do trabalho escravo no país visando a dificultar sua fiscalização e punição. Tendo em vista os resultados nas eleições de 2016, pode-se dizer que parte do eleitorado guinou para a direita, como comprova a baixa performance dos candidatos do PT. Além disso, movimentos de direita, como MBL, entre outros, ampliaram seu ativismo e sua visibilidade nas redes sociais.

Os políticos evangélicos estão desse lado mais conservador?

Claramente. Mas no que concerne a questões morais, de ordem comportamental. Nos legislativos municipais, estaduais e federal, a maioria, mas não todos, tendem a sustentar projetos de lei de caráter conservador no plano moral relativos à sexualidade e à família, por exemplo. Propõem projetos para tratar e reverter a homossexualidade. Pretendem discriminar casais de mesmo sexo por meio do Estatuto da Família. Querem impedir todo tipo de aborto, inclusive em casos de estupro, risco de morte da mãe e fetos anencéfalos, através do Estatuto do Nascituro.

São muito pragmáticos de um modo geral.

Eles procuram instrumentalizar seu poder político partidário, eleitoral e parlamentar para defender seus interesses institucionais e corporativos, obter recursos públicos para suas obras sociais, isenção do pagamento de taxas, cargos públicos, etc. Recentemente, tentaram obter perdão de dívidas previdenciárias para igrejas no Refis. Procuram ocupar o espaço público com seus símbolos religiosos, construindo praças da bíblia, criando o dia do evangélico e coisas do gênero, tendo por referência a ação católica de colocar crucifixos em edificações públicas, como tribunais e escolas e erguer estátuas de Cristo.

E a atuação partidária?

Entre os partidos controlados por grupos evangélicos o PRB se destaca pelo pragmatismo, ou pelo peemedebismo, isto é, opta por fazer parte da base de apoio aos governos de plantão, seja de que partido for, em troca de cargos. O PRB sustentou os governos petistas de Lula e Dilma e está apoiando o governo Temer, além dos governos paulistas tucanos. Os parlamentares do PRB tendem a votar com os demais evangélicos em temas de ordem moral. Mas eles, inclusive seus deputados que são pastores e bispos, não encabeçam os projetos de lei de cunho moral, muito menos os mais controversos. Já o PSC, sobretudo a partir de 2013, quando Marco Feliciano presidiu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, assumiu publicamente uma orientação político-ideológica de direita no campo econômico e superconservadora no plano moral. Pastor Everaldo, presidente do PSC, como candidato à presidência da República, defendeu o Estado mínimo, a privatização da Petrobras. O PSC assumiu perfil partidário de extrema direita nos últimos anos. À medida que assumiu perfil mais extremista, o PSC perdeu parlamentares entre as eleições de 2010 e 2014. Em geral, são os parlamentares vinculados à Assembleia de Deus os mais ativos ou os que mais se destacam na promoção de pautas moralistas conservadoras no Congresso Nacional. Caso dos deputados Marco Feliciano, João Campos, Sóstenes Cavalcanti, Eduardo Bolsonaro, Hidekazu Takayama. No Senado, Magno Malta, que é batista.

Quem compõe essa grande bancada evangélica?

No momento, são cerca de 80 deputados federais atuando na Frente Parlamentar Evangélica. A maior bancada é da Assembleia de Deus, seguida pela da Igreja Universal e, por fim, a dos batistas. Essas três igrejas dispõem da maior proporção de parlamentares. Em sua maioria, os deputados evangélicos atuam em partidos pequenos, como PRB, PSC, DEM e em partidos ainda menores. Eles têm diminuta presença nos grandes partidos, como PT, PSDB e PMDB. Com poucas exceções, estão imersos no baixo clero.

E qual é o grau de coesão dos evangélicos?

Eles não formam um bloco coeso, uniforme e homogêneo. Estão divididos em diversos partidos e igrejas distintos e concorrentes. Apresentam coesão somente em torno de pautas específicas, sobretudo em questões de ordem moral, envolvendo a sexualidade, a instituição familiar, os costumes, as representações artísticas, as relações de gênero, o aborto, a união civil de pessoas de mesmo sexo, etc. O moralismo de cunho bíblico constitui forte fator de coesão desse grupo religioso e político.

Mas não existem evangélicos progressistas?

Não são todos que apoiam tal agenda moral ou que sustentam esse moralismo na arena pública. Os progressistas são minoritários e pouco visíveis dentro e fora do parlamento. Eles defendem os direitos humanos, minorias, a laicidade do Estado e da escola pública, políticas redistributivas.

A Marina Silva está nesse grupo?

Sim. Ela defende intensamente a laicidade do Estado, até como forma de se defender da acusações de que, se for eleita presidente, ela discriminará outras religiões e favorecerá os evangélico. Defendeu a laicidade em 2010 e em 2014. Ela é missionária da Assembleia de Deus. Tem posições próprias em relação a aborto e união civil de pessoas do mesmo sexo, mas defende que nessas questões mais controversas o ideal seria a realização de plebiscitos e não a decisão do Congresso. Ela tenta evitar um confronto direto seja com defensores da laicidade do Estado, seja com feministas, grupos LGBT ou defensores de direitos humanos. A saída pela via do plebiscito é uma saída em que a vontade do povo se realiza independentemente das posições politicas-religiosas da presidente.

Como funciona a teologia da prosperidade, que impulsiona muitos pentecostais em sua ascensão social?

Algumas igrejas pentecostais pregam essa teologia. Deus prospera os seus leais servos, os cristãos, por meio da doação de dízimos, de ofertas, que expressam a comprovação de sua fé. Eles podem auferir prosperidade, felicidade, vitória em seus empreendimentos. E a prosperidade não é de ordem só material, mas é a prosperidade de um modo geral na vida. Essa é uma crença bastante controversa porque dentro do próprio meio evangélico, critica-se essa espécie de barganha entre Deus e os homens, em que as igrejas figuram como intermediários. É muito distinto do protestantismo puritano dos séculos 16 e 17, que era muito ascético. Eles estavam preocupados fundamentalmente com a salvação celestial. O foco agora é o inverso. Eles não abandonaram evidentemente a crença na salvação, mas a ênfase é mais materialista, voltada para a felicidade terrena.

Que outras pautas promovem a coesão entre os evangélicos?

Outra pauta é a defesa da liberdade religiosa. Lideranças pentecostais vivem alardeando que a liberdade religiosa deles está sempre ameaçada. Eles se consideram discriminados e perseguidos preferenciais dos governos petistas, de grupos feministas e LGBTs, ou daqueles que nomeiam de gayzistas, esquerdopatas, bolivarianistas, cristofóbicos. A terceira pauta que concorre para promover sua coesão é a defesa de seus interesses corporativistas. Nas câmaras municipais, muitos parlamentares evangélicos afora lutam para flexibilizar as regras e a aplicação do código de edificações e das leis de silêncio ou ruído em prol de suas igrejas, propõem e negociam projetos para isentá-las do pagamento de taxas. No Congresso Nacional, desde a Constituinte, ocupam em grande número a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, a fim de defender seus interesses como concessionários de inúmeras emissoras de rádio e TV.

As igrejas devem hoje mais de  900 milhões de reais em taxas.

As associações religiosas no país gozam de isenção tributária, não pagam impostos. Contudo, são obrigadas a pagar taxas, como as de limpeza urbana e as contribuições previdenciárias de seus funcionários. Em muitas cidades, vereadores evangélicos conseguiram isentar as igrejas do pagamento de taxas de limpeza urbana, entre outras. Caberá à população arcar com o custeio do que está deixando de ser pago pelas igrejas. A dívida total é de 920 milhões, mas não é só das igrejas evangélicas. Como disse, deputados evangélicos tentaram obter perdão fiscal dessas dívidas.

E as diferenças na base evangélica?

Na Câmara Federal, eles estão divididos em dezenas de partidos e igrejas. Concorrem entre si, sustentam posições teológicas diferentes, optam por apoiar distintos candidatos a eleições majoritárias. Apresentam, portanto, uma série de divisões, clivagens, inclusive em votações. Mesmo no impeachment, votação que promoveu enorme coesão desses parlamentares, foram 89%. Onze por cento deles votaram contra o impeachment. O consenso é praticamente impossível, e não só em matéria política. Edir Macedo, por exemplo, já deu várias declarações públicas em defesa do aborto.

Outro caso em que se percebe grande união foi na eleição do bispo Marcelo Crivella no Rio.

No Rio, cerca de 90% dos pentecostais, segundo os órgãos de pesquisa, votaram em Crivella para prefeito. Ele conquistou grande parte do eleitorado das regiões mais pobres. Mas venceu muito em função da fragilidade da candidatura de seu adversário, Marcelo Freixo, do PSOL, vinculado a um partido muito pequeno, e com uma trajetória política na zona sul carioca, que sensibiliza só o público de classe média branca universitária que forma uma base eleitoral muito restrita. Era um candidato com uma pauta mais vinculada ao legislativo, sem bases populares, sem apelo na periferia do Rio. Tinha uma boa atuação parlamentar, mas pouco apelo eleitoral. Havia também um contexto de extrema fragilidade da esquerda no Brasil. Tudo isso prejudicou a candidatura do Freixo.

Seja como for dá para perceber uma enorme expansão política dos pentecostais.

O crescimento do pentecostalismo no Brasil e na América Latina transformou o campo religioso brasileiro nas últimas décadas. Hoje são mais de 60 milhões de evangélicos. Essa transformação se acentua e se radicaliza a partir dos anos 80 e, nos últimos 40 anos, esse processo avança célere. Nas periferias das grandes e médias cidades e, em especial, nas regiões metropolitanas é onde os pentecostais mais crescem. Criou-se um cinturão evangélico nas periferias, locais onde os sindicatos, partidos e poderes públicos não chegam.

Eles se integraram totalmente na sociedade brasileira.

Uma coisa importante é que os evangélicos, sobretudo pentecostais, eram vistos, até fim do século 20, como um segmento à parte na sociedade brasileiro, isolado, sectário, e isso mudou. Eles ganharam enorme visibilidade pública e deixaram de ser vistos como algo à parte, isolado, sem relação com a cultura brasileira, que era católica. Eles passaram a se incorporar em todos os setores, no futebol e até mesmo no tráfico. Boa parte dos traficantes no RJ têm se aproximado dessa igreja. Antes havia uma fronteira entre as igrejas pentecostais e o mundo do crime e essa fronteira desapareceu. Você vê a molecada no tráfico dando dízimos ou promovendo shows gospel. E os pastores dão essa abertura porque querem convertê-los.

Eles avançam também nos meios de comunicação de massa.

Muito. A TV aberta contém 20% da programação religiosa. Grande parte dela é ocupada por evangélicos, sobretudo pela Igreja Universal. Eles compram os horários de programação ou as próprias emissoras. A Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares, cunhado do Edir Macedo, compra programação, mas também dispõe de canal a cabo. A Renascer dispõe de canal a cabo. A Universal dispõe de TV aberta - a Record disputa a segunda posição no mercado com o SBT. Além disso, eles dispõem de uma imensa rede radiofônica e muitas portais na internet, editoras e bandas gospel. Vendem milhões de bíblias e livros religiosos e de autoajuda.

Há uma estratégia bem definida de ocupação do espaço político.

Os pentecostais ingressaram na política partidária para valer na Constituinte, período que coincide com sua ocupação dos meios de comunicação de massa e com o boom pentecostal. Antes da Constituinte havia apenas dois deputados pentecostais. Em 1986, eles elegeram 18, um crescimento de 900% na sua representação parlamentar, 13 deles da Assembleia de Deus. Foram pastores da Assembleia de Deus que disseminaram o boato persecutório e conspiratório de que a Igreja Católica pretendia retomar sua posição oficial junto ao Estado brasileiro a partir da elaboração da nova carta magna. A partir daí, substituíram o lema "crente não se mete em política" pelo "irmão vota em irmão". Na atual legislatura, passaram a dispor de cerca de 80 deputados federais e três senadores, um dos quais se tornou prefeito do Rio de Janeiro. Então, nos últimos 30 anos, quase triplicaram o tamanho de sua bancada. 15% dos deputados federais atualmente são evangélicos.

O caso Crivella mostra que, em certas situações, eles podem apoiar maciçamente um candidato.

Podem, mas, desde 1989 nunca deram apoio maciço, uniforme, a um único candidato. Naquela eleição, no primeiro turno, eles se dividiram entre os diferentes candidatos. Só no segundo turno, quando restaram apenas Collor e  Lula, lideranças pentecostais apoiaram em peso a candidatura do caçador de marajás. Na ocasião, difundiram o boato persecutório de que a eleição de Lula estabeleceria o comunismo no Brasil, comunismo atípico, pois associado ao catolicismo de esquerda, mas que iria impor sérios obstáculos à sua liberdade religiosa. Diziam que os evangélicos seriam perseguidos, seus pastores iriam para o paredón, seriam presos, torturados, suas igrejas seriam transformadas em galpões, supermercados. Esse tipo de boato persecutório foi muito forte durante o segundo turno da eleição presidencial de 1989.

Tanto na Constituinte como na primeira eleição pós ditadura militar, boatos persecutórios e conspiratórios foram fundamentais na arregimentação e mobilização política e eleitoral deles. Há pelo menos três décadas são experts em fazer uso das "fake news" com fins políticos e eleitorais.

Esse sentimento persecutório é característico dos políticos evangélicos?

Isso tem ocorrido em todas as eleições desde o início da redemocratização. Candidatos evangélicos a deputados federal, estadual, a vereador, a senador e mesmo a cargos majoritários, como o Crivella, têm insistido que os evangélicos são perseguidos, discriminados, e que o principal recurso de que dispõem para assegurar sua liberdade religiosa e defender a família, consistem em eleger seus irmãos de fé para protegê-los no parlamento de seus inimigos esquerdopatas.

O Bolsonaro exerce atração entre os evangélicos. Ele pode aglutinar essas forças?

Os evangélicos são minoritários no Brasil, têm 32% da população, segundo o Datafolha. São muitos, mas são minoria. Eles não têm como eleger um presidente, evangélico ou não, somente com seus votos. E Jair Bolsonaro não demonstra por enquanto a capacidade de aglutiná-los. Bolsonaro não é evangélico. É casado com uma evangélica e tem filhos evangélicos, como Eduardo Bolsonaro, batista, que lidera o Escola sem partido. Ele foi batizado em Israel, em 2016, pelo pastor Everaldo e divulgou as imagens do batismo nas redes sociais para tentar ampliar seu eleitorado nesse meio religioso. Bolsonaro é um aliado antigo de líderes da frente parlamentar evangélica, como Marco Feliciano, João Campos, entre outros. Ele tem se esforçado em construir relações e alianças com dirigentes evangélicos na tentativa de catapultar a sua eleição a presidente da República. No momento, ele tem apoio eleitoral entre os evangélicos superior ao que dispõe no conjunto do eleitorado, 21% contra 16%, respectivamente. Da mesma forma, ele é menos rejeitado pelos evangélicos (27%) que no total do eleitorado (33%).

O Lula é exatamente o contrário.

Lula é o pré-candidato com maior apoio entre os evangélicos: com 32% de intenção de voto nesse segmento religioso. Mas esse apoio é inferior ao que ele obtém no restante do eleitorado, que é de 36%. Entre os católicos, Lula alcança 40%. Além disso, ele tem maior rejeição entre os evangélicos (46%). No eleitorado, a rejeição é de 42%. Bolsonaro e Marina Silva, missionária da Assembleia de Deus, dispõem de maior apoio entre os evangélicos do que no total do eleitorado.

Você não acredita que Bolsonaro tenha grande futuro?

Candidaturas de centro direita podem inviabilizar completamente a candidatura do Bolsonaro, que é visto também como um sujeito controverso no meio evangélico. Líderes denominacionais e parlamentares, como Malafaia e Feliciano, também são controversos em seu meio religioso. São criticados e contestados, por várias razões. Bolsonaro mais ainda. Feliciano não representa 60 milhões de fiéis, de forma alguma. Nem Malafaia, nem Edir Macedo. São figuras polêmicas, controversas no meio evangélico, que, como disse, é plural, muito diversificado internamente. Bolsonaro, porém, pode se beneficiar desse discurso em torno da restauração da ordem, da moral, anticorrupção,  antipolítica, da formação de um governo forte com suporte militar para avançar em parte do eleitorado evangélico, sobretudo pentecostal. Talvez por conta disso, Bolsonaro disponha, nesse momento, da intenção de apoio de um quinto dos evangélicos.

Tem uma pauta de governo forte para as próximas eleições.

É uma pauta que se aproxima de parte da pauta política dos evangélicos, sobretudo no que se refere à demanda para que os poderes públicos assegurem a moralidade cristã no ordenamento jurídico do país. Parte da população tem enorme dificuldade de lidar com as mudanças comportamentais em fluxo nas últimas décadas, com a emergência de novos arranjos familiares e das transformações nas relações de gênero, com a visibilidade pública da união civil de pessoas do mesmo sexo, das novas formas de afeto inclusive sexuais que escapam aos padrões familiar e sexual heteronormativos hegemônicos. Muitos vêem tais mudanças como indecência, falta de vergonha na cara, irrupção de nova Sodoma e Gomorra, o fim dos tempos. O discurso hipermoralista de Bolsonaro e de vários deputados evangélicos joga lenha nessa fogueira e apregoa a discriminação estatal a minorias sexuais.

Ser hipermoralista é uma vantagem nesse negócio?

A cruzada moral é apresentada como trunfo da representação política em defesa do evangelho e dos evangélicos. Confere visibilidade e dá retorno eleitoral, ao menos para candidatos ao legislativo. Feliciano, ao presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em 2013, foi acusado de fundamentalista, intolerante, fanático pela grande imprensa, por inúmeros oponentes políticos e em manifestações públicas. O que aconteceu? Ele dobrou sua votação, passando de 200 mil votos em 2010 para 400 mil, em 2014.

Radicalizou e levou.

Mostrar-se radical, radicalizar o conservadorismo moral ou a defesa corporativista em prol de suas igrejas pode resultar em dividendos eleitorais. E é isso que muitos deles buscam, a fim de obter maior visibilidade pública, escapar da obscuridade do baixo clero, sedimentar e estender seu eleitorado. Radicalizar a defesa de uma pauta extremamente conservadora e controversa pode torná-los expoentes de determinada causa. Tal estratégia de construção da identidade política por meio do ativismo radical em defesa de pautas controversas é que ela, praticamente, inviabiliza a eleição para os cargos majoritários, sobretudo em eleições decididas em segundo turno, já que tende a resultar em elevados índices de rejeição.

Como estamos evoluindo na questão da laicidade do Estado?

A questão da laicidade, praticamente invisível até os anos 90, emergiu com força à medida que os evangélicos ocuparam a política partidária e eleitoral e os meios de comunicação de massa. Até então, os crucifixos católicos estavam (e continuaram) presentes em escolas públicas, em casas legislativas, em tribunais de Justiça. Mas ninguém reclamava de laicidade. Não era questionada. A ocupação católica do espaço público estava naturalizada, em função de sua hegemonia religiosa e da incipiente diversidade religiosa. Os evangélicos passaram a questionar os privilégios católicos. Em seguida, políticos evangélicos passaram a se envolver em uma série de conflitos e acirrados debates públicos, provocando a reação de defensores de direitos humanos, organizações feministas, LGBTs. Associações de ateus passaram a questionar a presença de símbolos religiosos em edificações públicas e no espaço público. O avanço do pluralismo religioso, do pluralismo cultural e da diversificação das formas de viver e de concepções de bem comum resultou numa série de conflitos em torno da laicidade do Estado, da escola pública, do ensino religioso, etc. Os conflitos se intensificaram. Lutam pela definição da laicidade, pela secularização da política partidária e eleitoral, pelo restabelecimento, nos moldes do liberalismo político clássico, das fronteiras entre Estado e igrejas, política e religião, público e privado.

Como costuma ser essa relação entre Estado e igreja?

O Estado brasileiro se tornou laico oficialmente com o advento da República. Na Constituição de 1934, ocorreram diversos retrocessos. A Igreja Católica, seu poder religioso e político renovado e a Liga Eleitoral Católica conseguiram reverter certos aspectos da laicidade estabelecidos em 1889. A Constituição brasileira de 1988 manteve o Estado laico e a separação republicana entre religião e Estado. Nossa constituição, desde 1934, prevê também a colaboração recíproca entre igreja e estado em prol do interesse coletivo. É a questão, por exemplo, da assistência social. O governo Collor, com seu projeto econômico neoliberal, passou a apelar para a participação de setores da sociedade civil na resolução de problemas sociais.  Abriu-se mais espaço para a atuação assistencial das igrejas em parceria com os poderes públicos. Isso avançou nos governos seguintes até se tornar frequente moeda de troca eleitoral.

Seja como for, o voto evangélico se tornou fundamental para ganhar uma eleição.

Desde o início da redemocratização, todos os candidatos e partidos de médio ou de grande porte negociam apoios e alianças com autoridades evangélicas, sobretudo pentecostais, já que isso é pouco usual e aceitável nas igrejas protestantes históricas. Em 2006, a campanha da candidatura Lula estabeleceu como uma de suas prioridades a conquista do voto evangélico. Entre outras coisas, Lula prometeu a ampliação das parcerias do governo federal com as igrejas, como forma de tentar obter apoio e votos desses religiosos.

A laicidade é um assunto quente?

Quentíssimo. E esquentou mais ainda com todas as controvérsias públicas ocorridas em torno dos direitos humanos. O debate sobre a criminalização da homofobia e o aborto tomou de assalto a disputa eleitoral para a presidência em 2010. Mesmo ano em que o III Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo governo Lula, enfrentou acirrada oposição católica e evangélica. Muitos líderes e políticos evangélicos se opuseram à candidatura da Dilma, o que a forçou a recuar afirmando que não iria sancionar nenhuma lei que pudesse prejudicar a liberdade religiosa dos evangélicos. A partir dos conflitos travados na Comissão de Direitos Humanos e Minorias em 2013, evangélicos se afastaram do governo Dilma. Não à toa, 89% dos parlamentares evangélicos votaram a favor do impeachment. Na Câmara dos Deputados, tais conflitos resultaram em impasses. Nem defensores dos direitos humanos e nem a bancada cristã conseguiram fazer avançar suas propostas e seus projetos de lei no ordenamento legal. Representantes de minorias sexuais decidiram recorrer ao STF.

Por quê?

O STF aprovou, em 2011, a união civil de pessoas de mesmo sexo. Logo em seguida, aprovou o aborto de anencéfalos. Isso gerou enorme revolta entre deputados evangélicos, que propuseram projetos de lei prevendo o impeachment de ministros do STF que usurparem poderes do legislativo e do executivo e que igrejas de caráter nacional possam propor ao STF Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Por outro lado, gerou expectativas positivas em seus adversários quanto ao maior progressismo do STF comparado ao conservadorismo do Congresso. Contudo, após a decisão do STF a favor do ensino religioso confessional, tais expectativas, provavelmente, retrocederam.

O STF deu uma guinada conservadora?

Por certo, tornou-se mais arriscado recorrer ao STF para defender a laicidade do Estado. A votação foi apertada, seis ministros de um lado, cinco do outro. O STF aprovou a disciplina de ensino religioso facultativo, mas na modalidade confessional,  que estava prevista na concordata entre o Estado brasileiro e Santa Sé.  Um dos 20 artigos desse acordo propunha a confessionalização do ensino religioso. O governo Lula deu de bandeja esse acordo para a Igreja Católica, que foi aprovado a toque de caixa pelo Congresso Nacional, a despeito de inúmeras manifestações públicas que o questionaram.

Isso é um erro, um retrocesso?

O fato é que o STF bancou o ensino religioso confessional. A meu ver, essa decisão foi lamentável. Ainda que o ensino religioso seja facultativo, na prática ele é obrigatório, porque as escolas não oferecem outras opções aos estudantes. Os pais desconhecem que seja uma disciplina facultativa. Os que conhecem e não querem que seus filhos cursem ensino religioso na modalidade confessional não dispõem de disciplina alternativa para seus filhos. Os colégios não oferecem opções. Os alunos são colocados em uma salinha qualquer ou no pátio. E ficam sob o risco de sofrer bullying, assédio, discriminação dos colegas e dos próprios professores. Isso pode colocar muitos alunos em situação difícil. Alunos de minorias religiosas podem vir a sofrer ainda mais nas mãos de professores incautos, dispostos a utilizar a sala de aula como escola dominical.

Fonte: Estadão




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